Opinião

Incêndios no Pantanal ameaçam áreas de restauração, com risco de uma catástrofe semelhante à de 2020
Como muitos ainda lembram, quatro anos a maior área úmida tropical do mundo, o Pantanal, enfrentou incêndios devastadores que consumiram cerca de 30% do bioma local. Isto resultou em um verdadeiro corredor de fogo ao redor do rio Paraguai...
Por Paula Isla Martins, Letícia Couto Garcia e Liz Barreto Coelho Belém - 29/06/2024


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Como muitos ainda lembram, quatro anos a maior área úmida tropical do mundo, o Pantanal, enfrentou incêndios devastadores que consumiram cerca de 30% do bioma local. Isto resultou em um verdadeiro corredor de fogo ao redor do rio Paraguai, o principal rio do Pantanal, e na morte de pelo menos 17 milhões de vertebrados. Em 2024, este cenário terrível pode se repetir - ou piorar.

No primeiro semestre deste ano, houve um aumento alarmante de 1.297% nos focos de incêndio em relação ao mesmo período do ano anterior. Além disso, a área queimada já é o dobro do registrado no mesmo período de 2020. A situação é agravada pelo início antecipado dos incêndios, prolongando o período crítico para o Pantanal.

Desafios para a restauração do Pantanal

Devido às mudanças climáticas, os períodos de seca estão se tornando mais longos e intensos. O nível do rio Paraguai está atualmente em 1,09 metros, bem abaixo da média histórica. Isso sugere que teremos inundações menores que o normal em 2024, deixando áreas que normalmente estão inundadas nesta época do ano mais suscetíveis às queimadas, aumentando a extensão e a gravidade dos incêndios.

A alternância entre seca e cheia, definida pelo pulso de inundação, é crucial para a biodiversidade do Pantanal. A intensificação das secas prolongadas está afetando as dinâmicas das águas, comprometendo a sobrevivência da fauna, flora e das comunidades locais.

Além de vários impactos, há uma nova preocupação: os incêndios estão atingindo áreas prioritárias para a restauração do Pantanal, onde vivem espécies vegetais sensíveis ao fogo, como o manduvi (Sterculia apetala), e ameaçadas de extinção, como o pau-santo (Gonopterodendron sarmientoi). Isto dificulta a recuperação dessas espécies e pode diminuir suas populações futuras.

Um estudo recente, solicitado pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), mapeou essas áreas na bacia do Alto Paraguai (BAP). O estudo foi realizado pelo Laboratório de Ecologia da Intervenção da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (LEI/UFMS), em parceria com o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LASA/UFRJ) e o Instituto de Biodiversidade da Universidade do Kansas.

Utilizando variáveis climáticas e dados biológicos sobre plantas sensíveis ao fogo, o estudo identificou regiões onde o Manejo Integrado do Fogo (MIF) é mais crucial e áreas que terão maior dificuldade em se regenerar se afetadas. As áreas mapeadas foram compartilhadas com o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo/Ibama), Ministério Público, brigadas comunitárias indígenas, Corpo de Bombeiros e Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul) para orientar ações de prevenção de incêndios.

Sobre o Manejo Integrado do Fogo (MIF)

O MIF é uma prática que utiliza o fogo de forma planejada e supervisionada para minimizar danos e preservar os ecossistemas. Ele combina conhecimentos científicos e tradicionais, considerando os aspectos ecológicos, culturais e técnicos do uso do fogo para prevenir e combater incêndios florestais.

Na Terra Indígena Kadiwéu no Pantanal, a área identificada como prioritária para restauração está próxima de regiões que foram recentemente queimadas. Nos últimos dias, os brigadistas indígenas têm intensificado o trabalho de Manejo Integrado do Fogo, o que pode ajudar a proteger a área prioritária contra novos incêndios.

É importante destacar que nem toda área queimada representa um incêndio. Muitas vezes, são áreas onde foi realizado o Manejo Integrado do Fogo, seja por moradores que praticam o uso tradicional do fogo, brigadistas indígenas ou do Prevfogo/IBAMA. Por isso, é crucial considerar também a severidade dos incêndios. O MIF envolve o uso de fogo controlado e de baixa intensidade, ao contrário dos incêndios que são mais severos e devastadores.

Um estudo realizado em parceria com brigadas indígenas Kadiwéu contratadas pelo Prevfogo/IBAMA demonstrou que o manejo do fogo reduziu em 80% a frequência de incêndios em áreas com alta incidência (mais de 70% do tempo analisado). Além disso, houve uma redução de 53% na extensão anual das áreas queimadas e na influência do clima sobre a área total afetada pelo fogo.

Medidas para prevenção e combate aos incêndios

Também é crucial enfatizar que estamos apenas no início do período mais crítico para incêndios no Pantanal, que geralmente ocorre nos meses de agosto e setembro. A integração das ações entre os órgãos dos estados pantaneiros, governo federal e sociedade civil é fundamental para um combate efetivo aos incêndios e apoio ao Manejo Integrado do Fogo (MIF).

É essencial aumentar o número de brigadas comunitárias nas áreas mais críticas, garantir que as brigadas continuem realizando o MIF, ações preventivas e capacitação ao longo do ano, estabelecer práticas regulares de aceiros e realizar queimas prescritas durante a época chuvosa. Além disso, o uso de tecnologias e ferramentas inovadoras pode fazer a diferença nesse esforço de combate.

É importante implementar uma rotina de monitoramento utilizando ferramentas de previsão de risco de incêndios, como a desenvolvida pelo LASA em parceria com o Instituto Dom Luiz da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), sob solicitação do MPMS. Essa ferramenta alerta sobre perigos meteorológicos relacionados ao fogo com até cinco dias de antecedência, facilitando a elaboração de estratégias de resposta.


Paula Isla Martins
Bióloga e Doutoranda em Ecologia e Conservação, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

Letícia Couto Garcia
Professora Adjunta 3, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

Liz Barreto Coelho Belém
Doutoranda em Meteorologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional do maisconhecer.com

 

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